11.10.16

A casa das "folhas que tiram o mal olhado"

Sketch da casa da Rezadeira do santo Antônio Além do Carmo.

Um registro realizado no #58 Encontro dos Urban Sketchers Salvador. Acompanha abaixo, uma interessante matéria sobre a Sra. Rezadeira, publicada em um periódico baiano.




Folhas que tiram o mal olhado
Fonte: http://www.tribunadabahia.com.br/2009/10/26/folhas-que-tiram-o-mau-olhado.

Com um jeito simples, um lenço amarrado na cabeça e galhos de folhas nas mãos, a interiorana Judite Veloso Gama, 73 anos segue o ofício diário de rezadeira, uma tradição secular que resiste nos recantos da Bahia. No Largo de Santo Antônio Além do Carmo todos a conhecem pelas rezas com ervas que curam moléstias e libertam do mau olhado. A rezadeira de Cachoeira que há 58 anos mora na capital, é uma das poucas benzedeiras que restam em Salvador. Na terra do sincretismo religioso, elas ainda são parte integrante da cultura popular, tanto quanto as manifestações ao Senhor do Bonfim e a Iemanjá. Em pequenas cidades do interior, muitas senhoras ainda difundem o poder de antigas orações aliadas a uma variedade de ervas.

“Com três te botaram, com dois eu te tiro com o poder de Deus e da Virgem Maria”. O verso da reza acompanhado com os benzidos de folha já é conhecido entre os frequentadores que chegam a humilde casa de dona Judite, ao lado da Igreja de Santo Antônio. “Feitiço não mata, mas olho gordo mata. Muitos chegam cabisbaixos, doentes e sem ânimo. A inveja faz isso, mas o poder da reza pode mandar tudo isso para bem longe”, diz.
Com a promessa de mandar embora o “quebrante e a morfina” vale apelar para todos os santos e orixás. “Nosso Senhor Jesus Cristo é quem nos protege, junto com Nossa Senhora, Santa Bárbara, Senhor do Bonfim, entre outros” conta Judite que aprendeu a fazer as rezas com folhas ainda menina. “Parei durante um longo tempo, mas depois voltei a essa graça. Tem gente que me liga de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, outras vem da Estrada do Coco”, afirma.

No altar da rezadeira tem imagens de santos bastante populares na Bahia, desde o guerreiro São Jorge ao casamenteiro Santo Antônio. Já as folhas são colhidas no próprio quintal e algumas adquiridas no Subúrbio Ferroviário e nas feiras livres da cidade.
As rezas são feitas com ervas de tipos variados. Cada uma de acordo com a necessidade. “Uso alfazema, aroeira, arruda, guiné, quioô e quarana”, cita. Além das benzeduras, a rezadeira também recomenda os banhos de folha, como o tradicional de sal grosso, o de dente de alho, de alfazema e aroeira. “O bom é tomar durante três dias. Fazendo com fé a pessoa possa se livrar de todo mal”, garante.

Benzedeira famosa

Com 80 anos, a benzedeira Antônia Braga Machado, mais conhecida como dona Tuninha, natural de Sapeaçu há 170 km de Salvador ganhou fama nacional ao aparecer recentemente no programa Mais Você, da Rede Globo. “Faça chuva ou faça sol eu vou ao encontro da pessoa para rezar”, diz ela que aprendeu o ritual com folhas ainda bastante jovem.

Depois que apareceu na televisão, dona Tuninha ficou ainda mais famosa. “Uma moça da Itália ligou para me pedir que eu rezasse pela melhoria em seus negócios e eu fiz a reza pelo telefone. Depois ela mandou sua foto para que eu fizesse mais orações”, conta. Dona Tuninha acredita que o seu ofício é um dom de Deus. “Eu só ajudo, mas quem cura é 'ele'”, ressalta.

Fé nas rezas atrai pessoas de todos os lugares

O movimento na casa de dona Judite não para. “Seguimos essa tradição de nos rezar há muito tempo, pois a minha avó também fazia esse tipo de ritual lá na Argentina”, conta Maria Soria que mora na Bahia há alguns anos. Ela, seu pai, José Antonio Soria e sua mãe Vitória levaram a pequena Kaylane de 3 anos para ser rezada pela benzedeira do Largo de Santo Antônio. “Eu já tinha visitado aqui e agora trouxe minha filha que está ficando sempre doente “, afirma. Segundo Soria, a fé nas rezas com ervas veio de berço. “Temos muita fé”, disse ao ouvir as recomendações de banho da benzedeira.
“Passei 20 dias internada e foram as rezas dela que me ajudaram a ficar boa. Ser rezadeira é uma dádiva que Deus lhe deu”, enfatiza a cabeleireira, Edinalva Souza, 60 anos, acostumada com as rezas de dona Judite.

Do lado de fora a placa indica: “Rezadeira, reza mau olhado, erisipela, peito aberto e fogo selvagem”. Cada reza vale R$ 25. Apesar da cobrança, a rezadeira faz questão de frisar. “Eu apenas rezo. Não sou mãe-de-santo”.

Encontrar uma benzedeira em Salvador nos dias de hoje não é fácil, mas ao circular por feiras tradicionais, como a da Sete Portas é possível ainda se bater com algumas conhecedoras do ritual. É o caso de Damiana Cândida, moradora do IAPI. “Às vezes rezo para os amigos e só cobro a folha ou um pacote de velas se precisar”, diz enquanto compra algumas folhas.

Com ares de timidez, ela resumiu também a importância do banho de folha. “Servem para limpar, proteger e livrar do mau olhado”, disse citando as receitas com o alho macho, folha de vassourinha, arruda, manjericão e dandá.

“Tenho fé, pois se isso não existisse, a própria natureza não proveria essas ervas”, afirmou uma mulher que disse estar sofrendo, após ter sido traída pelo marido que saiu de casa. “Estou arrasada, mas as rezas e esses banhos vão dissolver esse mal”, acrescentou.

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Fonte: http://www.tribunadabahia.com.br/2009/10/26/folhas-que-tiram-o-mau-olhado. 

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