29.1.18

24º Encontro USK Fortaleza - Praia de Iracema


Texto do sketcher Fabrício Porto

Sketch na chuva.
Diz um jovem poeta de nossa terra que 'lágrima de índio, quando cai, arrasa mondubins, alaga aguanambis... cariris todos debaixo d´agua, tabajaras... quanta mágoa em tua taba'. Trata-se de uma bela canção que conecta o inesperado drama que sempre é a chuva em Fortaleza e nossa porção cultural indígena, que nomeia nossas ruas e bairros. Acostumados ao religioso sol que nos invade a pele já às seis da manhã, recebemos as chuvas de começo de ano como uma desorganizadora da vida feita em torno da forte e constante luz equatorial que incide em nossos quatro graus de latitude sul.
Assim, sob o chover e no bairro com nome de índia, é que se desenrolou neste sábado, 27 de janeiro, o 24º encontro Urbansketchers Fortaleza. Uma rara manhã de chuva branda e constante, com temperatura na casa dos polares 22°C (é isso mesmo, caros sketchers do sul), que obrigou os desenhistas à abrigarem-se sob pequenas palmeiras, barracas de vender coco e beirais de antigas casas da Praia de Iracema, local escolhido para o encontro e espaço afetivo por excelência da capital cearense.
Para um dia chuvoso, é possível dizer que houve êxito absoluto ao se levar mais de uma dezena de cearenses para a rua numa manhã de sábado para desenhar. E desenhamos, como sempre, à moda alencarina, rindo-se de nossa desgraciosa situação, amontoados e espremidos sob qualquer abrigo possível. Não raro, trabalhadores da praia, a quem a chuva não espanta, paravam para examinar aqueles grupos que se aninhavam sob as escassas cobertas e desenhavam em conluio. 'Muita vontade de desenhar... nessa chuva?!' - era o pensamento por trás das expressões de surpresa e graça dos passantes.
Desenhamos, no entanto. Alguns inserindo sombras que ali não estavam e azuis celestes que não compareceram. Outros sendo fieis aos tons pasteis que o tempo nublado impõe. O casario dos anos cinquenta, de fachadas coloridas, ficou menos vivo. O antigo edifício São Pedro, testemunha de uma época de ouro do bairro e hoje depauperado pelo abandono, ganhou aspecto ainda mais obscuro sob o intruso cinza do nublado. Poucas figuras humanas passavam na calçada para nos servir de modelo e nos presentear com escala e humanização.
São os registros de uma atípica manhã cinza em que tivemos momentaneamente amputados nosso sol e nossa vibrante vida urbana. Vendo os desenhos dos colegas, penso que esta circunstância está sutilmente expressa nos resultados. Naquele dia, registramos a transformação da paisagem pela chuva, em seus diversos aspectos. Registramos o que ocorre quando cai lágrima de índio.

Fabricio Porto, 29 de janeiro de 2018.
*A música citada no começo do texto é Lágrima de Índio, do cantor e compositor cearense Daniel Medina

Desenho: Amando Costa

Desenho: Amando Costa

Desenho: Maria Luisa Maia

Desenho: Rebeca Alencar

Desenho: Mateus Morais

Desenho: Fabrício Porto

Desenho: Fabrício Porto

Desenho: Jairo Diniz

Desenho: Domingos Linheiro

Desenho: Marcos Bandeira

Desenho: Alesson Matos



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