28.5.18

Joinville, uma odisseia no espaço (do caderno) - Parte II

Ah o sucesso, como é bom! E o insucesso como é? Na primeira postagem dessa odisseia assuntei sobre o fato de nos concentrarmos no desenho e querermos acertar "sempre", pois é, não dá. Então vou falar um pouco sobre o que não dá certo, sobre o que fica uma M mesmo, ou fica aquela coisa mais ou menos. Vamos lá, porque "Se arriscar" é o nome do meio de todo urban sketcher.

A tarde do primeiro dia, depois de aquecer os dedos com os desenhos da manhã, partimos para o Museu da Imigração. Lógico que criamos aquela expectativa de desenhar lá dentro. Eu que já conhecia a parte interna estava animado, mas, balde-de-água-fria, estava fechado. Procurei um ponto de vista que me trouxesse alento, dentro de mim tinha uma criança fazendo birra: - Se não pode desenhar lá dentro, então não desenho mais! 
Pode parecer bobagem, mas ter um ponto de observação que lhe faça feliz é fundamental. Cada um tem seu método, seu processo mais ou menos racional, mais ou menos intuitivo. Para mim é o Método Canino. Farejo o ar, rodo em torno do rabo, vou e volto inúmeras vezes e olho pra todos os lados. Mas nem sempre encontro aquele ponto de vista que me deixaria animado, aí, sem essa opção, começo a desenhar. Lá no Museu acabei me conformando com uma sombra parca e um assento de pedra irregular quase de frente pra construção.
Não achem que estou dizendo que o desenho bom reflete uma assento confortável e um ponto de vista incrível. Nada disso! A relação pode ser até mesmo a inversa. Naquela hora não fluiu, briguei o tempo todo com o caderno, com a aquarela e com a pedra dura. Mas, do nada, um rapaz alto e simpático chega animado dizendo: - Eu sigo vocês e seus desenhos já tem um tempão, deixei de viajar pra conhecer vocês pessoalmente. Luiz Felipe me arranca do limbo artístico pra a altura de um ídolo, me senti um popstar. E como popstar, que fui por alguns segundos, não ligo mais se o desenho foi ou não acertado, vou continuar farejando a rua e rodopiando em volta do rabo para encontrar meu ponto de vista das coisas.

Tomei uma cerveja, estava muito calor e precisava dar um tempo. Fui brindar ter sido um popstar por alguns segundos para alguém. Voltei pro segundo desenho da tarde mais relaxado (não-bêbado, rs).
Tenho muitos cadernos, e não sou metódico com a cronologia deles, e nem fiel a um só tipo. Acho que situações diferentes pedem sketches e sketchbooks diferentes. Havia levado um caderno maior, folhas tamanho A4 e resolvi lhe dar uma chance. Digo chance porque é um papel difícil, não aceita aguadas, não tem boa textura, é um desafio. Tinha que tentar ferramentas diferentes, e uma das que eu ando namorando é o lápis de cor.
O lápis e cor é um material que vem sendo reinventado pelos sketchers e ilustradores. O jeito mais tradicional é usar de modo controlado, pintar a cor, mas os sketchers têm "desenhado a cor" - acho que esse jeito de falar não existe, mas, tudo bem. Quando a gente faz o contorno do objeto com a cor que ele tem, nós não estamos mais colorindo, mas sugerindo a cor. Colorir uma área grande é um processo demorado, as vezes exaustivo. Quando fazemos somente o contorno, fazemos sketch colorido, essa é a sacada. Além disso, por não termos que colorir lentamente, preservamos a expressividade do traçado do lápis, que pra mim é fundamental.
Nesse sketch, além do lápis, que não é aquarelável, usei também a aquarela, que não dá muito certo nesse papel, mas com certa insistência se fixou. E também caneta, ou seja, uma bagunça danada que me deixou meio feliz. Quando se vê o resultado final pode parecer um desenho muito rápido, até meio violento, mas não foi bem assim. Claro que o descompromisso com a representação acelera o processo, mas é um tempo diferente, um tempo meio doido que tem que dar espaço para outras maneiras de fazer o desenho. Lidar com esse despojamento é complicado, me deu uma canseira danada, pois a gente fica lutando com os nossos condicionamentos. E descondicionar dói pacas!

Por hoje tá bom, dois riscos, dois petiscos. Em breve tem mais!

6 comentários:

  1. E a beleza continua! Gostaria de escrever um texto cabeça bem legal aqui, mas só consigo escrever que tá "um tesão".

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    1. Valeu a leitura Simon, é só um registro. Quem sabe lá no futuro outros possam ler..

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  2. Seu texto é realmente inspirador. Despertou o desejo de voltar a escrever sobre o desenho.. ou seria desenhar sobre escrever (acho que o álcool subiu à cabeça). Parabéns e obrigado!

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  3. Cara, adorei esse conceito do Método Canino, farejando o tema. É o sketcher do improviso, o que se mergulha na incerteza, se deixando levar pelos acontecimentos repentinos. Eu sempre achei que o trabalho do urban sketcher (e do cronista também) tem um pouco de detetive. Porque o detetive é um sujeito em busca de pistas. E nós, urban sketchers também estamos em buscas de pistas. Qualquer evidência que ajude a compor uma cena no papel. Causos, personagens, diálogos, etc. Desenhar in loco é decifrar um enigma. Jogo de sombras, cores, texturas somadas aos fatos humanos (e de vez em quando até com fantasmas, porque não? – hehe).
    Assim como os detetives, que podem ser catalogados em dois grupos: cerebrais (Dupin, Sherlock Holmes) e “hard-boiled” (Detetives Noir), os sketchers também podem ser divididos em: metódicos e caninos. Os metódicos são aqueles que planejam seus desenhos antes de sair de casa, já separam os materiais corretos a serem utilizados. Ou deixam para finalizar os sketches depois, no conforto de seus ateliês. Já os caninos, chafurdam na lama de suas incertezas, sujam-se na tinta do acaso e, na maioria das vezes, e a duras penas, finalizam sua arte no próprio lugar. Este sketcher canino tem muito de detetive noir, pois é o cara que se mescla ao local, conversa com os suspeitos, infiltra-se nos bastidores, bebe uma cerveja.
    Este termo “hard-boiled” refere-se a ovos excessivamente cozidos, até ficarem duros demais. Então pode-se dizer que o sketcher canino é esse sujeito endurecido, que suporta as adversidades da rua numa boa. Você é desta linhagem, com certeza, além de que seu ponto de vista, normalmente bem rente à calçada, assemelha-se ao olhar de um cão mesmo Heheh. Criando esses ângulos fantásticos, deliciosamente deformados. Afinal quem pensaria em pintar a presença dos coqueiros da Rua das Palmeiras nas sombras defronte o Museu da Imigração? Os cães são cúmplices das sombras e os urban sketchers são os detetives do cotidiano.

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  4. Mais um maravilhoso encontro das tuas imagens e palavras -- amei! É um prazer de ler e ver. Muito bons também os comentários do Fabiano. Só fiquei triste de constatar que definitivamente não sou canina, hahaha.

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