Desenhar ou não os carros da cena? Eis a questão. Eu mesmo convivo com esse conflito do mundo dos sketchers. Claro que podemos eliminá-los simplesmente, omití-los, fazer de conta que não estão ali. Se eles não são objeto de nosso desenho, vale tudo. Mas assim como os postes e fios, pessoas e o mobiliário urbano, eles podem ajudar a contar a história daquele momento.
Depois de passar raiva em alguns dos meus desenhos que foram por água abaixo depois de colocar um carro na paisagem, costumo torná-los invisíveis. Tem pouco tempo que obtive alguma harmonia entre arquitetura e veículos, apesar do insucesso ainda estar muito presente.
Há sketchers famosos por seus desenhos de veículos. O Flávio Ricardo, Fede Tessa, Fabien Denoel, Lapin, Jenny Adam, Nina Johansson, o falecido Florian Afflerbach e muitos outros que fazem isso parecer uma tarefa simples. Mas não é. Desenhos muito legais podem perder toda sua graça pela presença de um desenho de veículo que não está a altura do restante da cena.
Tenho buscado uma simplicação que me agrade, e nessa busca tenho envelhecido os carros, rs. Antes eu dizia que "todos os meus carros eram fuscas". Mas agora digo "todos meus carros são velhos". O Fabiano Vianna diz que só fica bonito no desenho aquilo que o design do costume já aprovou - um barco de pesca tradicional fica melhor do que uma lancha, um fusca antigo que um carro do último tipo. Então, seguindo essa lógica, envelheço os carros.
Como quase nunca são elementos principais das minhas cenas, faço com um traço bem despojado, mais verticalizando, ou seja, deixo eles mais altos, comos carros antigos, e rodas menores meio aquadradadas (se existe essa palavra), como os desenhos das crianças. O restante vem de uma sombra horizontal no meio do carro para marcar a vinco da lataria. No máximo um detalhe na transparência do vidro, a placa, o formato do farol. Não acerto sempre, claro, mas desse jeito tenho conseguido escapar da praga do carro, ops, da maldição do carro que estraga o desenho.
Nesse primeiro de maio saí pra dar uma esticada e tentei fazer um desenho, que pelo tempo e a complexidade ficou uma M. Resolvi esconder esse resultado pífio com alguns estudos de carro e aí abaixo vai o resultado desse processo. Carrinhos modernos com jeitão de bem usados.
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3.5.17
27.3.17
Estive em São Paulo e lembrei-me de vocês
Era abril de 2016, vai fazer aniversário daqui a alguns dias, estive em São Paulo - a mega, a monstra, a intensa e maluca cidade. Fiquei uma semana para estudar e consegui encaixar alguns espasmos desenhísticos no caderno. Digo espasmos pois o tempo foi curto para tanta vontade e tanto assunto bacana pra ver e registrar, e dava uma agonia não ter tempooooooo. Mas aí vão algumas dessas lembranças paulistanas. Não estão aí aquelas paisagens mais emblemáticas que a gente relaciona a "um olhar de turista", não houve tempo pra elas, mas estão as cenas que deram consistência e emoção aos dias que passei por lá.
Na janela do apartamento dos amigos que me acolheram no Tatuapé tinha uma bela visão pro rebuliço urbano e um pouco de verde, em primeiro plano, e roubando a cena, a gigante tipuana (essa árvore que eu sei o nome, rs) da praça.
Nesse primeiro dia só consegui desenhar no sketchbook muito mais tarde, quase meia-noite, fazendo um lanche depois do curso e da longa viagem até em casa. Dois casais me fizeram companhia na lanchonete enorme, com muitas mesas, mas quase todas vazias aquelas hora
Dia seguinte, já tinha agenda marcada, tomar café numa Padoca, símbolo máximo, pra mim, dessa cidade. Meus anfitriões fizeram indicações, mas por sorte não encontrei as que eles achavam que eu procurava. Logo perto achei uma de esquina, com sabor de bairro e clientes conhecidos. Roubei uma banqueta e prolonguei meu café para fazer esse registro abaixo.
Repararam as casas coloridas no lado? Confesso que desenhei tudo isso pra enquadrar essas típicas casas paulistanas, de dois andares e coladas nas calçadas, quase sem espaço para estacionar o carro. A padaria se chamava "Trem Bão", ironia de viagem.
Mas vamos em frente que aí vem desenho. No trecho de metrô que não estava lotado, consegui sacar minha caneta e desenhar a cena. Esse desenho aí, fiz a prestação, dia 5 à esquerda, dia 6 à direita. Até o braço da moça tatuado foi em um dia, e a moça da bolsa com desenhos do Romero Brito foi no dia seguinte.
Onde eu fazia o curso, da incrível ilustradora Rebeca Luciani, era perto do Unibes Cultural. Quem mora em cidade grande e depende de transporte coletivo sabe, ou se chega cedo, ou atrasado. No dia que cheguei cedo consegui fazer uma visita lá dentro. Acho que esse é meu sketch com mais jeito de arquiteto que fiz. Mas o ambiente com grande pé direito pedia o registro dessa escala, e um desenho mais proporcional foi minha escolha.
Dia seguinte, Padoca de novo, agora a Perfil Padaria, outra encontrada por acaso. Essa era mais o esquema de "aqui tem de tudo pra todas as horas do dia". Lugar incrível, muita gente tomando seu café antes de começar o trabalho. Sei lá, acho que o desenho em PB tava melhor, mas nunca dá pra saber o que vai acontecer no sketch não é mesmo?
Dia 7, finalmente conseguir encontrar um habitante do Urban Sketcher São Paulo, e foi logo quem? O gentleman Ronaldo Kurita! Arrumou uma dica super legal do Tatuapé e fomos lá desenhar a primeira casa do bairro, pô, demais, uma casa de bandeirantes perdida ali naquele bairro cheio de ruas apertadas, e é numa dessas ruas que a gente dá nesse oásis de história do Brasil - a Casa do Tatuapé.
A viagem tava acabando, snif, snif, ainda restava vontade pra alguns milhares de desenhos. Mas, é assim, a gente tem que ir embora com vontade de quero mais, assim como no final dos encontros semanais. Fiz meu último sketch paulistano, no Sumaré, uma tentativa de cena noturna, ainda estava apanhando muito da aquarela no sketchbook da Hahnemühle, que é bastante poroso para aguentar muitas camadas de água. Mas até que salvou-se.
Os desenhos foram esses. E como bom caderno de viagem, esses registros são infinitamente mais intensos que as fotos que eu poderia ter tirado. São emoções registradas a fundo, proporcionais ao tempo que dedicamos a elas. E que agora, um ano depois, saltam vívidas. E acredito que continuará assim por muito tempo.
Na janela do apartamento dos amigos que me acolheram no Tatuapé tinha uma bela visão pro rebuliço urbano e um pouco de verde, em primeiro plano, e roubando a cena, a gigante tipuana (essa árvore que eu sei o nome, rs) da praça.
Nesse primeiro dia só consegui desenhar no sketchbook muito mais tarde, quase meia-noite, fazendo um lanche depois do curso e da longa viagem até em casa. Dois casais me fizeram companhia na lanchonete enorme, com muitas mesas, mas quase todas vazias aquelas hora
Dia seguinte, já tinha agenda marcada, tomar café numa Padoca, símbolo máximo, pra mim, dessa cidade. Meus anfitriões fizeram indicações, mas por sorte não encontrei as que eles achavam que eu procurava. Logo perto achei uma de esquina, com sabor de bairro e clientes conhecidos. Roubei uma banqueta e prolonguei meu café para fazer esse registro abaixo.

Repararam as casas coloridas no lado? Confesso que desenhei tudo isso pra enquadrar essas típicas casas paulistanas, de dois andares e coladas nas calçadas, quase sem espaço para estacionar o carro. A padaria se chamava "Trem Bão", ironia de viagem.
Mas vamos em frente que aí vem desenho. No trecho de metrô que não estava lotado, consegui sacar minha caneta e desenhar a cena. Esse desenho aí, fiz a prestação, dia 5 à esquerda, dia 6 à direita. Até o braço da moça tatuado foi em um dia, e a moça da bolsa com desenhos do Romero Brito foi no dia seguinte.
Onde eu fazia o curso, da incrível ilustradora Rebeca Luciani, era perto do Unibes Cultural. Quem mora em cidade grande e depende de transporte coletivo sabe, ou se chega cedo, ou atrasado. No dia que cheguei cedo consegui fazer uma visita lá dentro. Acho que esse é meu sketch com mais jeito de arquiteto que fiz. Mas o ambiente com grande pé direito pedia o registro dessa escala, e um desenho mais proporcional foi minha escolha.

Dia seguinte, Padoca de novo, agora a Perfil Padaria, outra encontrada por acaso. Essa era mais o esquema de "aqui tem de tudo pra todas as horas do dia". Lugar incrível, muita gente tomando seu café antes de começar o trabalho. Sei lá, acho que o desenho em PB tava melhor, mas nunca dá pra saber o que vai acontecer no sketch não é mesmo?
Dia 7, finalmente conseguir encontrar um habitante do Urban Sketcher São Paulo, e foi logo quem? O gentleman Ronaldo Kurita! Arrumou uma dica super legal do Tatuapé e fomos lá desenhar a primeira casa do bairro, pô, demais, uma casa de bandeirantes perdida ali naquele bairro cheio de ruas apertadas, e é numa dessas ruas que a gente dá nesse oásis de história do Brasil - a Casa do Tatuapé.
A viagem tava acabando, snif, snif, ainda restava vontade pra alguns milhares de desenhos. Mas, é assim, a gente tem que ir embora com vontade de quero mais, assim como no final dos encontros semanais. Fiz meu último sketch paulistano, no Sumaré, uma tentativa de cena noturna, ainda estava apanhando muito da aquarela no sketchbook da Hahnemühle, que é bastante poroso para aguentar muitas camadas de água. Mas até que salvou-se.
Os desenhos foram esses. E como bom caderno de viagem, esses registros são infinitamente mais intensos que as fotos que eu poderia ter tirado. São emoções registradas a fundo, proporcionais ao tempo que dedicamos a elas. E que agora, um ano depois, saltam vívidas. E acredito que continuará assim por muito tempo.
14.2.17
VIAJAR
Sempre é bom viajar. É ótimo viajar e poder desenhar, não que não podemos desenhar em nossas cidades natais. Todas elas, certamente têm pontos interessantes, para podermos sentar em uma tarde modorrenta e fazer um belo desenho, mas as tarefas do dia a dia, acabam, muitas das vezes, impedindo de, durante a semana, de realizar um único desenho. Mas em viagem nos programamos para isto. Separamos os cadernos e estudamos a cidade que iremos, para podermos desenhar os lugares mais legais.
Mas a nossa obsessão, começa no caminho, como mostram muitas das minhas postagens e do Francisco Leocádio, de passageiros no ônibus e o desenho do aeroporto e do avião é um clichê, mas é absolutamente irresistível.
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Interior do avião, indo para Maceió. A mancha vermelha era uma moça que foi "escondida" durante as três horas de vôo |
Chegando à Maceió, alugamos um carro, uma Grand Meriva de 07 lugares, para irmos até Penedo. Minha filha enjoou na última fileira e como ela estava na cadeirinha, acabamos trocando de lugar e pude ficar apreciando o mar e um céu sem tamanho entrar por um lado do carro, parar nos nossos olhos e sair, pelo outro lado, transbordando em uma plantação sem fim, de cana de açúcar.
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Interior da Gran Meriva. |
Em Penedo ficamos hospedados em Manibu, um povoado afastado do centro de Penedo, uns quinze quilômetros. O ônibus chegava ao povoado às 6h00 e voltava ao meio dia e neste dia, havia queimada da palha, somando ao céu, uma palheta avermelhada por todo o horizonte.
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Interior do ônibus Manibu - Penedo |
De Penedo fomos à Neopólis e a Santana de Ipanema, mais conhecida por Carrapicho, um centro de artesanato em Sergipe, atravessando de barco o grande e agora raso, Rio São Francisco, o rio da unidade nacional. O barco faz o trajeto contornando os bancos de areias, arrastando e arranhando o calado no fundo do rio.
Na volta para Maceió, tentei registrar o nervosismo da minha sogra, toda vez que o carro entrava em uma curva, um pouco mais acentuada. Ela sente um pavor enorme, por causa de um acidente anterior, e mesmo o meu sogro sendo motorista profissional, isto não a acalma. Aproveitei a última folha do moleskine e como o meu amigo Raro de Oliveira, até a contracapa precisar ser devidamente ocupada.
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Interior da embarcação e parte do porto de Penedo |
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Minha sogra e "eu" pelo retrovisor. |
Viajar é realmente muito bom. Para podermos ir, voltar e algumas vezes, para nos perdermos pelo caminho.
30.12.16
Um Rio, muitos Rios
Rio de Janeiro todo mundo sabe, é uma viagem. Setembro passado estive lá. Fui a lugares diferentes e vi Rios diferentes também. Não há como não ter uma síncope de vontade de sair registrando tudo, muita coisa interessante, muita intensidade pra tudo que é lugar que a gente olha, uma doideira.
Na partida em Curitiba já dei de cara com uma prancha de surf, parece que adivinhavam meu destino, corri pro caderninho pra registrar a cena. Escala em São Paulo, tudo bem, garoa vista do alto é bonita, e aquele mar cinza de prédios também é bonito visto das alturas, e dá-lhe caderninho com caneta preta, sépia e cinza.
A melhor coisa pra se aclimatar bem ao lugar que acabou de chegar, é tomar umas no bar mais agitado do local. Botafogo estava fervendo, uma festa, fui lá conferir e bater um papo animado enquanto fazia uns traços.
No CCBB estava rolando uma exposição com quadros impressionistas, nossos ancestrais, rs, não podia perder. Acabei indo duas vezes. Na primeira me distraí desenhando e tive que voltar pra olhar direito a exposição toda. Fiz uns sketches e não fui reprimido pela segurança, vai ver não tinham nenhuma orientação para gente que desenha. É um perigo esse pessoal que anda com tintas na bolsa.
O metrô também estava mais diversificado naqueles dias, tinha a turistada das Paralimpíadas que trouxe para o transporte público um pessoal que não se costuma ver. Nesse desenho que ficou só no grafite, o casal mais idoso da esquerda com roupas de turistas, o casal do meio, quase fazendo sexo, ia com as pernas trançadas, e a moça à direita carregada de bolos e quitutes que me deixaram esfomeado. Que cena amigos, que cena.
O senhor turista mereceu um segundo retrato. Camisa listrada era um convite à experimentar uma linguagem de desenho que ando perseguindo. Um passageiro ao meu lado que me viu retratando o cara me diz: - mostra pra ele, acho que ele vai gostar. Recusei, minha experiência diz que isso não é legal. Se os santos dos sketchers fizerem esse encontro acontecer, beleza, é pra ser. Mas forçar, nunca!
Uma das coisas que mais me empolga são novos desafios de desenho e da aquarela. Pintar cenas noturnas é sempre empolgante, e também frustrante em muitos casos. O cenário aí desenhei num pontinha de banco da praça, único disponível. Tentei ser meio Miha Nakatami, mas como não fiquei feliz com o resultado refiz o desenho novamente, logo depois, em casa, sem o pressa anterior.
Os bairros suburbanos do Rio guardam muitos tesouros que o turismo oficial não mostra. Principalmente os bairros que são servidos pela linha do trem da Central. Marechal Hermes é um deles, a decadência geral não consegue ocultar totalmente o tempo de glória que viveu.
Ah sim, claro, fui lá na Paralimpíada gritar praqueles campeões, imperdível.
Domingão, dia de prestigiar o USK Rio no Quadrado da Urca, lugar incrível, fiz dois desenhos. O primeiro foi pro fundo da Baía da Guanabara de tão ruim que ficou. Tenho dó dos peixes e das cracas que viram aquilo. O segundo, ufa, me redimi um pouco. Talvez tenha sido a marola de maconha que esse figuraça deixou no ar que tenha me inspirado, talvez tenha sido só coincidência e a sorte, que acompanha a quem persiste.
A melhor coisa pra se aclimatar bem ao lugar que acabou de chegar, é tomar umas no bar mais agitado do local. Botafogo estava fervendo, uma festa, fui lá conferir e bater um papo animado enquanto fazia uns traços.
No CCBB estava rolando uma exposição com quadros impressionistas, nossos ancestrais, rs, não podia perder. Acabei indo duas vezes. Na primeira me distraí desenhando e tive que voltar pra olhar direito a exposição toda. Fiz uns sketches e não fui reprimido pela segurança, vai ver não tinham nenhuma orientação para gente que desenha. É um perigo esse pessoal que anda com tintas na bolsa.
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Tentando reproduzir, de pé, Cézanne e Émile Bernard |
Embalei com os impressionista e fiquei com o diabo na caneta, fui devorando com meu caderno as paisagens e cenas que fui vendo ao longo dos dias. Aí embaixo um trio de forró. O desenho nem ficou tão bom, mas a cara que eles fizeram quando mostrei pra eles, afe, devia ter uma foto disso. Foi demais! O trem também deu samba, principalmente pela vendedora de amendoim em cones de papel, um clássico carioca.
O metrô também estava mais diversificado naqueles dias, tinha a turistada das Paralimpíadas que trouxe para o transporte público um pessoal que não se costuma ver. Nesse desenho que ficou só no grafite, o casal mais idoso da esquerda com roupas de turistas, o casal do meio, quase fazendo sexo, ia com as pernas trançadas, e a moça à direita carregada de bolos e quitutes que me deixaram esfomeado. Que cena amigos, que cena.
O senhor turista mereceu um segundo retrato. Camisa listrada era um convite à experimentar uma linguagem de desenho que ando perseguindo. Um passageiro ao meu lado que me viu retratando o cara me diz: - mostra pra ele, acho que ele vai gostar. Recusei, minha experiência diz que isso não é legal. Se os santos dos sketchers fizerem esse encontro acontecer, beleza, é pra ser. Mas forçar, nunca!
Uma das coisas que mais me empolga são novos desafios de desenho e da aquarela. Pintar cenas noturnas é sempre empolgante, e também frustrante em muitos casos. O cenário aí desenhei num pontinha de banco da praça, único disponível. Tentei ser meio Miha Nakatami, mas como não fiquei feliz com o resultado refiz o desenho novamente, logo depois, em casa, sem o pressa anterior.
Os bairros suburbanos do Rio guardam muitos tesouros que o turismo oficial não mostra. Principalmente os bairros que são servidos pela linha do trem da Central. Marechal Hermes é um deles, a decadência geral não consegue ocultar totalmente o tempo de glória que viveu.
Ah sim, claro, fui lá na Paralimpíada gritar praqueles campeões, imperdível.
Domingão, dia de prestigiar o USK Rio no Quadrado da Urca, lugar incrível, fiz dois desenhos. O primeiro foi pro fundo da Baía da Guanabara de tão ruim que ficou. Tenho dó dos peixes e das cracas que viram aquilo. O segundo, ufa, me redimi um pouco. Talvez tenha sido a marola de maconha que esse figuraça deixou no ar que tenha me inspirado, talvez tenha sido só coincidência e a sorte, que acompanha a quem persiste.
Mas chega de conversa né. Voltei à cidade curitibana com mais um desenho de avião. Cena de aviões não são fáceis pra mim. É meio previsível o que se desenha, sei lá, tava difícil. Mas aí achei um pé e do pé surgiu o desenho. Lembrando aquele velho provérbio que diz: - putz.. esqueci.
29.8.16
Uma quase corrida no parque
É domingo, sol em Curitiba, um convite para ir caminhar, correr, fazer ginástica no parque. Convite aceito. Na hora de sair de casa não resisto a colocar no bolso um mini sketchbook, a nova caneta tinteiro Fountain Pen e um lápis de cor. Poderia ter algumas cenas para desenhar após a corrida.
Mas a corrida durou pouco. Logo de cara percebi que era oportunidade de fazer uns sketchpeoples. E haviam muitos tipos interessantes. Atletas de verdade, gente só conectada com seu celular, passeadores com cachorro, corredores pais e mães atrás dos seus filhos, gente idosa por recomendações médicas.
Eu vim aqui pra correr ou pra desenhar? Retomo meu propósito inicial, e quem vejo? A senhorinha que vende bolas. Tento reprimir o desejo de desenhar, não consigo. Puxa vida, nem 100 metros e outra pausa!
Desisto de correr. Caminho mais um pouquinho e logo a seguir mais uma cena, a família brincando com bolinhas de sabão. Lá vamos nós. Enquanto os deuses da ginástica me julgam com olhares de repreensão.
Tá bom, vamos lá, chega de desenho! Faço uma meia volta pelo parque à contragosto. O ímpeto atlético sucumbiu. Deixo para outro dia esse projeto, caminho despretensiosamente admirando a paisagem e curtindo as cenas que o lugar me propicia.
Para finalizar registro um vô e sua neta à beira do lago. A cena se desmancha rapidamente, mas a prendo ainda mais rápido no meu sketch. A corrida ficou para próxima vez, é melhor não trazer nem caneta nem papel.
Mas a corrida durou pouco. Logo de cara percebi que era oportunidade de fazer uns sketchpeoples. E haviam muitos tipos interessantes. Atletas de verdade, gente só conectada com seu celular, passeadores com cachorro, corredores pais e mães atrás dos seus filhos, gente idosa por recomendações médicas.
Eu vim aqui pra correr ou pra desenhar? Retomo meu propósito inicial, e quem vejo? A senhorinha que vende bolas. Tento reprimir o desejo de desenhar, não consigo. Puxa vida, nem 100 metros e outra pausa!
Desisto de correr. Caminho mais um pouquinho e logo a seguir mais uma cena, a família brincando com bolinhas de sabão. Lá vamos nós. Enquanto os deuses da ginástica me julgam com olhares de repreensão.
Tá bom, vamos lá, chega de desenho! Faço uma meia volta pelo parque à contragosto. O ímpeto atlético sucumbiu. Deixo para outro dia esse projeto, caminho despretensiosamente admirando a paisagem e curtindo as cenas que o lugar me propicia.
Para finalizar registro um vô e sua neta à beira do lago. A cena se desmancha rapidamente, mas a prendo ainda mais rápido no meu sketch. A corrida ficou para próxima vez, é melhor não trazer nem caneta nem papel.
14.6.16
Leonardo Da Vinci e eu.
Perambulava pela Vila da Glória e já havia desenhado uns barcos no trapiche. Estava com fome e procurei um lugar pra comer e fazer um desenho de barriga cheia, que é melhor. Pedi o tradicional caldo e pastel e comecei a desenhar a sorveteria logo em frente, com uma baita árvore compondo a cena.
Na mesa próxima alguns amigos conversavam animados, já meio altos. Um deles, mais curioso, ordenou ao filho num tom de voz elevado e nada sutil - Vai lá e pergunta pra ele o que ele tá fazendo? O menino veio, tímido, e perguntou o que eu fazia. - Tô desenhando. Respondi. O menino voltou e informou ao pai. Ainda insatisfeito inquiriu o menino: - Mas tá desenhando o quê? Vai lá e pergunta pra ele. O menino veio, resignado e curioso, respondi: - aquela sorveteria ali, e antes tava desenhando os barcos. Mostrei a ele. O mensageiro volta, informa ao pai que finalmente vem verificar pessoalmente o que eu estava fazendo. Olha admirado e faz elogios. Volta à mesa e conta o que viu aos outros. Um deles, bochechas vermelhas e bem "animado" começa a gritar "você é o cara! você é o cara!", mesmo sem ter visto nem um traço na distância que estava. O pai, que se gabava com histórias másculas, teve uma ideia, veio impetuoso em minha direção, acompanhado do herdeiro. - Você desenha tudo né? Tentei explicar que não era bem assim. Não se importou e continuou. - Então, lá na frente da minha casa tem uma parede branca, você pinta uma Santa Ceia lá pra mim? É.. quer dizer. Não me deixou explicar e continuou: - nem precisa se preocupar com tinta, eu tenho tudo, pode deixar, você vai pintar a Santa Ceia lá em casa! Não consegui me desvencilhar da determinação alcoólica dele, pegou até meu telefone e tudo mais. Mas por sorte minha, nunca ligou.
Hoje, passado algum tempo, fico pensando. Pra aquele cara eu era o gênio, o Leonardo Da Vinci das quebradas que brotou na sua Vila e podia pintar uma obra-prima na fachada do seu lar sagrado, seu templo familiar. É claro que não era um cliente muito afável e nem muito santo, para a pintura de uma cena tão divina e elevada. Mas a Igreja Católica também não era, né Leo?
Deu vontade de ter feito minha ceia bíblica com o Cristo dividindo uns pastéis e tomando caldo-de-cana num balcão de lanchonete. Deu vontade...
21.2.16
Quando a chuva... parte II
Há algum tempo publiquei a minha primeira participação no blog, e falava de chuva. Mas alguns desenhos foram omitidos daquela história. Na vida dos sketchers a chuva é um contratempo, mas há outros, como os bêbados, que se tornam nossos maiores fãs, as pessoas que expulsam a gente dos lugares, os doidos e aqueles que perguntam: – o que é arte? Mas voltando ao caso da chuva, ela nos dá outra possibilidade, quando o ímpeto de croquisar é muito grande e não tem como sair: desenhar de onde estamos mesmo.
A chuva era torrencial a maior parte do tempo, às vezes amainava, mas não dava trégua. Do sofá tinha algumas vistas que davam desenhos. E foi de lá, no conforto de casa, que fiz alguns desenhos que gosto muito. Gosto porque elas retratam coisas íntimas, um tema que não é muito praticado em nosso “mundinho” de urban sketchers. E também porque são recordações em forma de desenho, não importando muito se os traços e cores ficaram bons ou não.
A relação de avós e netos é uma das maravilhas da natureza humana. Não se explica só se aprecia. Os dois extremos da vida se encontrando, a inocência da infância e toda vivência da velhice, ali, frente a frente, um embate em que os dois lados vencem. Muitos poderiam representar essa cena, há incríveis ilustradores pelo mundo que seriam capazes de revelar esse sentimento com cores e formas. Mas quando a gente o presencia e capta em nossos traços, ahhh.. o sabor é outro.
Pra mim as árvores são sempre bons temas de desenho. Essa aí podia ver pela janela, uma goiabeira ainda jovem, mas que cresceu muito rápido. Eu não plantei, quem plantou foi o passarinho. Improvisei um galho atravessado para as brincadeiras das crianças, e pronto, já começaram a dizer que tinham uma casa da árvore.
Toda cozinha tem seu charme de panelas, mesa, fogão e geladeira. Ali tínhamos essas coisas essenciais para chamarmos cozinha de cozinha, e no comando a tia Tânia, exímia cozinheira de pratos do dia a dia, preparava o almoço. Sentiram o cheiro do feijão?
Assim a chuva foi migrando pra dentro do meu caderno. Foi saindo das nuvens aquela aguada e virou chuva de traços. Recordações de momentos muito preguiçosos e proveitosos no sofá velho e furado da casa da praia.
A chuva era torrencial a maior parte do tempo, às vezes amainava, mas não dava trégua. Do sofá tinha algumas vistas que davam desenhos. E foi de lá, no conforto de casa, que fiz alguns desenhos que gosto muito. Gosto porque elas retratam coisas íntimas, um tema que não é muito praticado em nosso “mundinho” de urban sketchers. E também porque são recordações em forma de desenho, não importando muito se os traços e cores ficaram bons ou não.
A relação de avós e netos é uma das maravilhas da natureza humana. Não se explica só se aprecia. Os dois extremos da vida se encontrando, a inocência da infância e toda vivência da velhice, ali, frente a frente, um embate em que os dois lados vencem. Muitos poderiam representar essa cena, há incríveis ilustradores pelo mundo que seriam capazes de revelar esse sentimento com cores e formas. Mas quando a gente o presencia e capta em nossos traços, ahhh.. o sabor é outro.
Pra mim as árvores são sempre bons temas de desenho. Essa aí podia ver pela janela, uma goiabeira ainda jovem, mas que cresceu muito rápido. Eu não plantei, quem plantou foi o passarinho. Improvisei um galho atravessado para as brincadeiras das crianças, e pronto, já começaram a dizer que tinham uma casa da árvore.
Toda cozinha tem seu charme de panelas, mesa, fogão e geladeira. Ali tínhamos essas coisas essenciais para chamarmos cozinha de cozinha, e no comando a tia Tânia, exímia cozinheira de pratos do dia a dia, preparava o almoço. Sentiram o cheiro do feijão?
Assim a chuva foi migrando pra dentro do meu caderno. Foi saindo das nuvens aquela aguada e virou chuva de traços. Recordações de momentos muito preguiçosos e proveitosos no sofá velho e furado da casa da praia.
11.1.16
Quando a chuva desaba – uma missa e um pecado
Nessas horas de pingos ou aguaceiros surgem as questões: o que desenhar? Onde se abrigar? Como resolver o desenho ou a aquarela? Incorporar ou não esse elemento tão dominante no seu sketch? Bons aquarelistas certamente dominarão os reflexos molhados, as luzes borradas e farão um belo trabalho, mas essa não é minha praia.
Saí cheio de disposição para quebrar a abstinência de alguns dias que não desenhava, mas a chuva caiu sem dó nas minhas expectativas. Abriguei-me em uma quadra coberta e desenhei o que estava à vista - a paisagem molhada que avistava e a garotada que também esperava a chuva passar jogando conversa fora. Admito, estava de mau humor e não consegui ficar de papo com o vendedor de coco que veio olhar o que eu estava fazendo. – Você tá desenhando? – É! Respondi lacônico.
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Vista da chuva - Vila da Glória - São Francisco do Sul/SC |
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Meninos jogando conversa fora - Vila da Glória - São Francisco do Sul/SC |
A A chuva amainou, mas persistia. Escutei cantos vindos da igreja, corri pra lá sem mostrar o desenho para o vendedor, que deve estar me achando o turista mais insuportável que passou por lá nessa temporada.
Comecei o desenho da igreja com a mão mais aquecida. Os primeiros traços já se mostraram promissores. Para não atrapalhar os verdadeiros fiéis me enfiei num canto no fundo da pequena capela. Mas a missa foi enchendo, enchendo, enchendo e pronto, estava preso, não havia jeito de sair. Então, como havia tempo, fiz um desenho mais elaborado. Lá dentro Ave Maria, lá fora, uma chuva dos infernos.
Uma das carolas mais entusiasmadas disse que queria ver o desenho depois. Agora que não podia mesmo ir embora antes do último amém. Deu tempo até pra outro desenho. Ao final da missa a chuva tinha amainado, fiz o social com o pessoal que queria ver a minha pequena bíblia de sketches e fui embora.
O vendedor de coco já tinha partido, acho que não estava vendendo nada naquele dia. Eu, no entanto, estava no lucro, quatro desenhos para uma tarde chuvosa. Meu coração só não foi mais leve pra casa porque faltei com meu irmãozinho de intempérie, o vendedor que não queria me vender nada, só puxar assunto ou matar a curiosidade. Ainda volto lá pra me redimir desse pecado.
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Primeira missa de 2016 - Capela Nossa Senhora da Glória de 1885 - Vila da Glória - São Francisco do Sul/SC |
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Primeira missa de 2016 - Capela Nossa Senhora da Glória de 1885 - Vila da Glória - São Francisco do Sul/SC |
29.12.15
Conheça os Correspondentes: Raro de Oliveira de Curitiba/PR
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Raro de Oliveira . Foto: Marlyn Tows |
Nasci no subúrbio do Rio de
Janeiro em 1968, sou carioca da gema e vivo há mais de 20 anos em Curitiba, que
me seduziu numlindo dia de inverno com céu azul cerúleo. Desenhei desde
sempre, quando criança fazia gibis para vender para os meus primos. No escola fazia
ilustrações dos jornaizinhos e isso acabou por se consolidar como ideia de
profissão. Estudei Comunicação Visual na Escola de Belas Artes da UFRJ, bem
numa época de transição, entre o mundo das tintas e pincéis para o advento da
computação gráfica. Hans Donner, recém chegado ao Brasil, estava dando as
cartas e a universidade ainda não sabia como se virar com essas novidades.
Então tive uma formação mais ligada aos métodos acadêmicos, desenho anatômico,
modelo vivo, coisas que hoje estão finalmente voltando a ter sentido no meu
cotidiano de sketcher.
Entrei nesse movimento de desenho
de rua através do convite do Simon Taylor em 2013, e fui destravando aos
poucos. Havia muita coisa que não praticava a anos e outras que não havia feito
nunca. Profissionalmente minha atuação tinha se concentrado no marketing e no
design, a ilustração havia ficado de lado. Por hobby pintava, mas sempre de
imaginação, figuras humanas, cenas inventadas, o desenho de observação que
estava na alma do desenho do Urban Sketcher não era minha praia.
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Casa Vila da Glória/SC . Diário de Viagem |
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Paisagem da Janela, no Rio de Janeiro . Diário de Viagem |
Lentamente fui redescobrindo esse
olhar, esse jeito de desenhar o que está ao seu redor, de produzir em curto
espaço de tempo. Sempre gostei de escrever pequenas crônicas, e do mesmo modo meu
traço também se orientou para esse aspecto. A paisagem e seu contexto, os
sentimentos e pensamentos que tive naquele encontro, naquele lugar, com aquelas
pessoas. Como não tive uma formação acadêmica de arquitetura não me prendia a
representação mais naturalista das construções, e isso aos poucos tem se
tornado um caráter do meu desenho e do meu diálogo com as imagens que encontro
no cotidiano.
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Feira, no Rio de Janeiro . Diário de Viagem |
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Praça Tiradentes, RJ . Diário de Viagem |
No começo da minha caminhada com
os desenhos de rua recolhia as imagens em folhas soltas, observava que aqui em
Curitiba essa era a tendência predominantes do grupo. Mas em 2015 estive no
encontro de Torres Vedras, em Portugal, e percebi com os europeus são
fascinados pelos seus cadernos de desenho. A partir desse momento também optei
por desenhar quase sempre em cadernos, eles me dão o sentido de continuidade e
aprendizado. O espaço do caderno tem sua lógica particular, relacionando o antes
e o depois, a gestualidade de virar as páginas, o ato de “se abrir” para o
outro ver e assim vamos construindo uma trajetória estética.
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Pausa pro Almoço . Fachada de Casa, Hugo Langue |
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Pausa pro Almoço . Eucalipto Real, Curitiba |
Em Curitiba temos dois grupos que
desenham aos sábados e domingos, mas como isso parece pouco para quem se
envolve com o mundo do Urban Sketchers, também desenho na hora do almoço, com
um pequeno grupo de amigos, Simon Taylor, Fabiano Vianna e Antonio Dias, que
tiram um tempinho pra desenhar todos os dias. Hoje, estou cada vez mais envolvido
com o desenho de rua, percebo que ainda há muito o que aprender ainda, porém
deslumbrado pelo tanto que já aprendi com esses sketches de traços e
pinceladas.
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USk Curitiba: Largo da Ordem |
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USK Curitiba: Praça do Homem Nu |
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USk Curitiba: Saldanha Marinho |
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USK Curitiba: Orquestra Sinfônica do Estado do Paraná |
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Raro de Oliveira . Foto: Marlyn Towns |
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