17.7.18

Joinville, uma odisseia no espaço (do caderno) - Parte III - final

Acordei mais cedo que de costume. Era só o segundo dia do encontro mas parecia ser bem mais. A nova paisagem, os novos amigos, os desafios, frustrações com o desenho e alegrias dos pequenos avanços fazem o tempo acelerar. E também seria o último dia desses sentimentos todos, então tinha que aproveitar. Enquanto vou escrevendo essas linhas fico pensando nos sketchers lá em Portugal, no encontro de 2018 em Porto, devem estar vivendo muitos desses sentimentos malucos. 

Como retratar um cartão postal? É sempre a pergunta angustiante que me pego fazendo diante de monumentos muito conhecidos. Nesses casos aciono meu método canino pra encontrar um ponto de vista original, inusitado, essa coisa de artista. Mas como havia chegado cedo, e era um dos organizadores do evento, resolvi ser o ponto de referência pros outros que chegariam. Fiquei no ponto de vista do cartão postal, me remoendo por dentro - sai daí, você sabe que isso não funciona pra você, seu desenho vai ficar uma bosta! - diziam os diabinhos no meu ombro. Mas não cedi aos apelos diabólicos, e aproveitando que estava com uma calma não usual, usei a técnica mais oriental que pratico. 
Primeiro desenho com os olhos no papel, tento imaginar o tamanho das coisas sem rabiscar. Inicio o desenho com o próprio pincel aquabrush, com uma cor só (sépia, preto ou payne's grey) bem diluída. Vou resolvendo o desenho e aos poucos sentindo onde é preciso tons médios e finalmente os contrastes mais intensos. As imperfeições dos primeiros traços se tornarão parte do desenho e o jogo de tonalidades fará o conjunto acontecer. Gosto do resultado que dá, um ar de desenho antigo retirado de algum livro encontrado no sebo. Santo Dom Quixote espantou os meus demônios e fiquei feliz com o resultado do "meu" moinho de cartão postal.







Último desenho! Voltei pro meu caderno tamanho A4 que não serve pra aquarela. De novo fui me aventurar com os lápis de cores que havia gostado muito no dia anterior. Precisava ver se era verdade que tinha aprendido algo novo. As vezes por acaso fazemos um desenho incrível, mas é pura sorte, e logo voltamos ao limbo no desenho seguinte.

Peguei a vista lateral do Museu de Joinville, a arquitetura desse prédio é mais peculiar vista de frente, mas eu tinha levado os meus diabos assistentes que dessa vez estavam no controle. O desenho precisou daquela agressividade, de mão pesada, como diria o Fabiano Vianna. Arrancar sem medo a cor e a forma deixando as imperfeições acontecerem. Difícil explicar esse método, se quiser controlar não rola, mas se deixa solto demais, embola. A chuva chegou e todos corremos pra nos abrigar dentro do Museu. Lá dentro uma funcionária enlouquecia vendo as nossas tintas respingando no chão trazido da Alemanha, tadinha não sabia, é só aquarela, essa maldita!

É isso aí pessoal, essa foi minha pequena odisseia em Joinville. A gente se encontra em breve desenhando em uma esquina qualquer por aí!

2 comentários:

  1. Sua crônica/desenho me inspiraram este conto em 2 partes, man:

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    Um sujeito chega numa pequena cidadezinha qualquer e em algumas horas dá um giro por ela toda. Depois entra numa lojinha para turistas e depara-se com um painel repleto de cartões postais de aquarelas para vender. Ele comenta com o vendedor que não encontrou nenhum daqueles destaques em seu breve passeio e o moço responde que eles não existem. Como a cidade não possui nem grandes obras da natureza e nem do homem, os artistas locais puseram-se a inventar pontos imaginários – cachoeiras, moinhos, museus... Todo ano novos pontos turísticos são inventados, mas com eles também suas histórias curiosas, como – um índio crossfiteiro que salvou um casal de turistas no lago, um senhor que se vestia igual o Dom Quixote e morava na marquise do moinho, a mulher que sabia de cor o número de ladrilhos do piso do museu (e todo dia refazia a checagem), etc. Um trabalho em conjunto de cronistas e pintores. O viajante compra um postal de cada (com lindos desenhos, aliás). Leva também aquarelas de pontos turísticos de anos passados. De volta à rua, olha para os desenhos e imagina se existissem. Cogita a possibilidade de que estes desenhos, um dia, sirvam de inspiração para arquitetos do futuro. Quem sabe alguns sejam realmente construídos e os personagens inventados pelos cronistas também estarão entre os novos moradores, artistas, turistas, cronistas, viajantes...

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    Mas há também uma outra série – de desenhos cotidianos, que são intitulados como “postais nada turísticos”. São cenas íntimas dos moradores – varais de roupas, lavanderias, nus, casas, bancas de jornais, etc. Estas aquarelas capturam a verdadeira vida da cidade, por trás dos muros, entre as paredes, onde os olhos dos viajantes não chegam.
    Para alguns colecionadores, esta série é muito mais rica do que qualquer ponto turístico que possa ser imaginado. Para outros, a essência desta cidade é, na verdade, o amálgama destas duas séries – o dia-a-dia real e os desvarios turísticos da cidade ideal imaginada.

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