Um outro amigo, Fabiano Vianna, conta que as musas das artes têm ciúmes entre elas, que não podemos agradar a uma sem comprar briga com outra. Será mesmo? Quem já apreciou as inspiradoras postagens da Karina Kuschnir não irá concordar com isso. É dos desenhos que ela tira as melhores histórias, ou vice-versa, que no caso dela não importa a ordem, pois tem beleza pra todo lado.
O pessoal deve estar se perguntando, mas e o assunto do título? E Joinville? Pois é, tava dando essa volta toda pra dizer que eu também sinto falta das histórias, pois desenhar na rua é temperar o desenho com cheiro e vozes, com acasos e tropeços, com muitos erros e alguns acertos. E lá (ufa, finalmente) no 1º Encontro de Urban Sketchers Paraná-Santa Catarina foi assim, desenhos + histórias que vou contar agora. Dessa vez não serão as esperadas histórias do cotidiano da cidade atravessando nossos traços, mas as histórias por trás dos desenhos, das minhas tentativas e erros, desse conversê interior entre o sketcher e seu desenho.
Meio torto, depois de uma hora sentado no chão lidando com as complexidades do desenho anterior, fui dar uma volta e ver o que a Praça Nereu Ramos tinha para oferecer. Claro que me atraí pela troupe máscula e de meia idade que jogava cartas. Um total clube do bolinha cheio de personagens muito interessantes. Escolhi outro suporte, o meu queridinho bloco de papel kraft. No fundo no fundo eu tenho um problema com o amarelado dele, queria que fosse mais sépia, mas ok, eu perdoo essa pequena falha. Faltava meia hora pro fim do encontro da manhã e eu não podia viajar muito na maionese. Então, como solucionar rapidamente uma cena tão complexa que tava pedindo pra ser desenhada? Primeira coisa a se pensar, e sempre repito isso por aí, olho o que não vou desenhar. O desenho é feito dessas duas massas, o que a gente desenha, o e que a gente não desenha. Nesse caso a solução que encontrei foi recortar os corpos dos personagens pela forma das cadeiras de plástico, assim eu insinuava a presença delas sem desenhá-las, poupando tempo e evitando um elemento complexo que podia gerar ruído e tirar a atenção do tema principal, o pessoal do carteado. Mesmo assim foi um desenho longo, tentando capturar as expressões e algumas faces, lidando com gente que vai embora e que muda de lugar. - Olha só o Fulano, ficou bem mais velho! Alguns que viram o desenho caçoavam dos amigos. Fechando a cena acrescentei a árvore e fiquei sentindo falta de algo mais, peguei a poska branca e desenhei a arquitetura dos prédios ao fundo. Isso me ajudou a contextualizar o desenho, dando um cenário pros meus personagens, e mantendo a estética que venho usando em outros desenhos nesse caderno de papel kraft. O tempo se esgotou e no finzinho ficou a dúvida: - jogo uma aquarela no desenho pra fazer a sombra projetada nos personagens ou não? Como não tive, nem tenho resposta até agora, deixei como está.
Por hoje só, dois mergulhos pra molhar os pés e as mãos. Na próxima postagem tem mais desse mar do desenhar. Até lá!
Eu atualizei minha teoria sobre isso, e agora acredito que ao invés de musas, são entidades (masculinas e femininas). Existem as entidades superiores – da pintura, literatura, escultura, dança etc. E suas filhas, que regem as criações específicas. Por exemplo da pintura: nanquim, grafite, lápis de cor, aquarela... A questão do ciúmes entre elas existe, mas também o que pega é o quanto podemos nos dedicar a cada uma delas. Porque não é só a concentração numa determinada técnica, mas também o agrado à entidade. Temos que alimentar semanalmente seu altar com desenhos, aquarelas, artes bem resolvidas. E elas são exigentes!! Heheh. O que acaba inviabilizando de agradar mais de uma entidade, de vez em quando. Infelizmente.
ResponderExcluirCara, muito bom ler teus relatos bem descritivos sobre os desenhos. Percebi que o cronista estava meio longe do corpo, mas com as orelhas atentas. Enquanto o Raro sketcher agia, ele ouvia os diálogos ao redor. “- Dez reais, dez reais, é o chip da Tim já com carga! “
Adorei o resultado desta sua imersão no cotidiano de lá. Uma hora eu e Raquel reparamos que você estava quase invisível, em meio aos jogadores de carteado da praça. “Sketcher gonzo” – apelidou a Raka. O resultado deste mergulho está lindamente no desenho, perfeito na captura das ações, vestimentas e expressões. Engraçado que era como se não tivéssemos realmente ali. Eles – tão vidrados em suas cartas, não repararam nos “fantasmas” em volta. Gosto muito desta nossa criação; visão das coxias. Estávamos ao mesmo tempo dentro da caixa central, porém fora da cena principal. E você, com seu dom magistral de sketcher gonzo (e ator nato) se infiltrou no roteiro da cidade.
A insegurança sobre as técnicas, na sua crônica, me agrada muito. Para mim, os acertos nascem destas dúvidas tortas. Aquela velha história da esteira de desenhos bons e ruins, né. Heheh
Uma vez li um relato do escritor Herman Melville, de que seu livro Moby Dick era para ele apenas um estudo de um estudo de um estudo. E que ele estava preparando para escrever seu grande livro. (E que curioso – Moby Dick é hoje um dos grandes livros da literatura mundial). Penso que a vida de quem cria alguma coisa é assim. Estamos sempre à espera de “algo que virá”. Mas a tentativa de escrever um livro, é escrever um livro. A tentativa de fazer um sketch, é fazer um sketch. E assim vão surgindo pérolas, no caminho, sem nos darmos conta. Como estes teus dois desenhos do primeiro post-Joinville. Fantásticos.
A aquarela, para mim, é como uma baleia atroz. Às vezes ela chega mais perto, às vezes fica lá no fundo junto com os dos desenhos esquecidos. E aí nós é que temos mergulhar até ela. Esta Moby Dick não pode ser caçada completamente, porque ela é livre. Então o que fazemos é tentar registrá-la, do jeito que dá, suscetíveis a todo tipo de impressões no barco – vento, ondas, fome, enjoo, prazeres, vislumbres de paisagens. Mas o pior mesmo é quando ela vêm e destrói tudo – arrasa, destruindo desenhos, fazendo uma zona com os pincéis. Heheheh Você sabe muito bem como é isso.
Mas a gente sempre se reconstrói e continua. O barco (com remendos) aporta em outros portos – Joinville, Itaiópolis, Salvador. Depois retorna à Curitiba, etc. E a gente continua a saga de desenhar, desenhar. Sempre tentando agradar as entidades, sendo fiel à lembrança dessa baleia abissal (da qual só temos vislumbres), dando uma de sketcher gonzo de vez em quando, nas coxias do roteiro terrestre, no ofício do fazer – sketch, sketch, sketch.
Estudos de estudos de estudos de uma vida que é também um estudo de outros eternos estudos. Heheh
meninos queridos que não conheço pessoalmente mas é como se conhecesse: que deleite para a alma ver e ler vocês!! Raro, muito obrigada por me marcar lá no fb e, assim, me convidar para vir aqui te ver e te ler. Fabiano: que lindeza de comentário!! Ganhei um Melville há pouco tempo e estava namorando o tempo para lê-lo. Será que tentar ler um livro é ler assim mesmo? Brincadeira à parte, um abraço enorme por tudo isso. ♥♥
ResponderExcluirValeu você Karina!!
ExcluirDelícia de texto e de desenhos, Raro! Esse mundo é mesmo mágico quando nos damos tempo de olhar para ele...
ResponderExcluirVocês (todos) me emocionam com este amor descarado ao desenho.
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