15.1.19

Desenhando Caraíba/BA: um Sertão Moderno?

André Lissonger 


No último Natal, sob o gentil convite de Lorena Lôpo e sua família, tive a oportunidade de conhecer a cidade modernista de Caraíba e sua fantástica mina de cobre no interior do Estado da Bahia – Sertão Nordestino. Sem entrar em detalhes do quão foi excelente a convivência pessoal naqueles dias de festividade em torno dos incríveis caseiros pátios modernistas, aproveitei também o privilégio para tentar fazer uns sketches da cidade planejada, projetada e desenhada pelo arquiteto urbanista Joaquim Guedes.

Tentar, pois eu confesso que após organizar o nosso grande Encontro Nacional Urban Sketchers Brasil que aconteceu na primeira semana de setembro do ano passado, me senti exausto e quase sem vontade nenhuma da prática de urban sketching. Concentrando-me somente no ensino, em duas competições nacionais de arquitetura e urbanismo, mais três extenuantes projetos de arquitetura, um novo mergulho na obra do geógrafo Milton Santos e outras questões pessoais que tive de abdicar ao longo de quase um ano. Nesse sentido, foi a surpresa de encontrar essa cidade no meio do Sertão, ao final do ano, e que me renovou o amor pelo desenho de rua... portanto, somente hoje, seguem essas linhas e desenhos, que venho costurando ao longo desse tempo.

Por do Sol do Sertão, em Caraíba/BA. 

Caraíba/BA é, atualmente e oficialmente, o Núcleo Residencial Pilar, Jaguarari, BA... o que aparentemente, não faz diferença para seus moradores. Nome e apelido confundem-se. Planejada em um período político-econômico centralizador, ditatorial e desenvolvimentista sob a demanda da antiga empresa estatal Caraíba Metais S.A., para viabilizar a exploração das jazidas de cobre, foi concebida através de um Concurso Nacional de Arquitetura e Urbanismo.

O certame foi vencido pela equipe de Joaquim Guedes no ano de 1976. A cidade é gestada pelo escritório até 1982, mas desde 1978 a cidade já passa a ser ocupada em função da exploração da mina de cobre. Pode-se dizer que as circunstâncias reais do contexto físico e cultural nortearam o seu nascimento, o que, por paradoxal que possa parecer... quase absolutamente contrastaram com os paradigmas do Movimento Moderno, ao qual Guedes era filiado. Ao ser humano geograficamente genérico desejado pelos ditames do modernismo, o sensível método (caminho percorrido) de pesquisa percorrido e o processo projetual adotado foi fertilizado pelo ser humano e contexto específicos.

Essa aparente contradição ocorrida no contundente modernismo pregado pelo seu criador já se inicia com uma extensa pesquisa realizada por uma equipe multidisciplinar que procura completar as parcas informações cedidas pela Caraíba Metais. Foram realizadas diversas pesquisas sobre as características geográficas, físicas e humanas. Daí também meu interesse nessa postagem, que veio na esteira do meu renovado interesse em re-refletir sobre a influência de Milton Santos nos meus trabalhos como urbanista e como urban sketcher.



Essas condições reais (sertanejas) influenciaram no nascimento da cidade, que teve que ser projetada relativamente “fechada”, mas também na condição uterina, que é proposta e, relativamente mantida no DNA das suas moradias. A cidade e as casas da caatinga (... sonora, majestosa, luminosa, bela,..) impuseram suas regras às condições existenciais dos seus usuários e moradores. A um sistema fixo de infraestrutura urbana, Guedes propõe um sistema arquitetônico variável, flexível, que até então é (re)apropriado, (re)significado, transformado pelos seus moradores.

Desenho original de Joaquim Guedes

No sistema fixo, é proposto um claro urbanismo funcionalista sob o método do zonning e um parcelamento urbano cuja situação fundiária corresponde à hierarquia social e econômica dos funcionários da empresa exploradora da mina. A rígida trama regular curiosamente é reconhecida com pitorescos nomes de espécimes biológicos da caatinga e, ao mesmo tempo, é justamente a escala e a linguagem das suas arquiteturas, dispostas em meio à malha urbana, é que contribuem para o fácil reconhecimento cognitivo dos diversos “lugares” criados... rompendo com o que se imagina que se poderia encontrar como uma paisagem modernista monótona. Ainda acho uma pena que muitos espaços vazios ainda não tenham sido projetados, completados, dando a aparência de terem ficado residuais.

Desenho original de Joaquim Guedes



A trama é organizada através de seis praças centrais e outras pequenas seis praças setorizadas próximas a escolas e parquinhos infantis. O centro da cidade é de uso misto, incluindo apartamentos e alojamentos (de arquitetura social) mais próximos às atividades de primeiras e segundas necessidades (órgãos públicos, postos de saúde, escolas, farmácias, mercados, bancos, etc). O hospital e as atividades de lazer social e esportivo são geralmente setorizados no seu perímetro.




Maquete original de Joaquim Guedes

Os edifícios de apartamentos e alojamentos são extremamente compridos (longitudinais), ocupam praticamente todo o perímetro das quadras centrais e possuem um projeto arquitetônico bastante interessante em termos tipológicos, de detalhamento e de alguns esforços fenomenológicos (estes últimos, bem sensíveis).



 



Em termos tipológicos, os edifícios possuem parte do seu corpo sobre pilotis... gerando galerias abrigadas do sol inclemente. Aí acontece grande parte da dinâmica urbana comercial. Algumas tipologias de plantas gerais e particulares, internas, reproduzem alguns modelos do primeiro pós-guerra europeu, com alguns interessantes detalhes de molduras, encornijamentos, modenaturas, caixilhos, trocas de ritmo e até de pingadeiras pré-moldadas.



Mas a paleta de cores encontrada e escolhida, em pastilhas tipo “Vidrotil”, parece estar em consonância com a maioria dos tons da vegetação e das trocas luminosas do contexto... todavia, essa percepção só é possível em presença das próprias obras. Seguem algumas aquarelas e comparações através de escalas Pantone e aplicativos de paletas em RGB.

Análises da paleta de cores da caatinga, da aquarela realizada in loco, das atmosferas ambientais e das cores dos edifícios dos apartamentos e alojamentos do centro da cidade.   

Paleta comparativa do modernismo de Tarsila do Amaral e Portinari, com temas sobre o Sertão Nordestino.

As tipologias das casas variam por classe social econômica, mas ainda assim, é possível notar muito mais além do que a possibilidade da sua modificação. A relação da maioria das casas provoca uma relação de contemplar e ser contemplado pela vida urbana... ter um trecho de jardim semi público que vai além das suas largas calçadas, e, sobretudo, permitir, com seu pátios internos, a redução do impacto do intenso calor e muitas variações da dinâmica da vida íntima (familiar).

Desenho original de Joaquim Guedes 

A tipologia arquitetônica adotada nas escolas parece estar antenada com os avanços das escolas montessorianas projetadas por Herman Hertzberger, na mesma época... permitindo, além do “controle” do conforto ambiental, a possibilidade de criação de um micro cosmos de determinadas turmas de estudantes. Senão, a intuição de Joaquim Guedes, contaminada pelas exigências do contexto... avança em uma direção interessante. Os espaços são muito generosos... e acredito que uma criança/adolescente que tenha estudado aí, tenha algumas boas recordações da vivência desses espaços e transições que variam entre a escala caseira, a escala comunitária e a escala urbana.

Planta original de uma das escolas, por Joaquim Guedes.

Os detalhes não param por aí... a equipe de Joaquim Guedes desenvolveu calhas prediais em casas, bocas de lobo urbanas, terças estruturais de telhado em técnicas mistas, aberturas de esquadrias, encontros de pilares nas juntas de dilatação, para diversos locais e edifícios. Geralmente localizados aparentemente em pontos focais estratégicos, como nos grandes vãos dos galpões dos clubes, eixos de corredores de escolas, ou mesmo nas folhas das esquadrias das mais singelas, humildes, residências.



Tipologia de casas com uma porta e uma janela. 



Detalhe das tesouras do clube.


É constante a troca de luminosidade e de temperatura nas suas casas. Variáveis desde o mais opaco até um alto índice de luz... da sombra mais refrescante e, em alguns momentos do dia, e também da noite, chegar ao acúmulo do calor abafado. Acredito que a experimentação tipológica ainda permite estudos mais avançados em termos de conforto ambiental, mas também são um bom avanço e exemplo da revisão que os próprios modernistas iniciaram em seus próprios preceitos mais rígidos.

Pátios internos vivenciados.

Passando dessa sensível micro escala bem familiar aos arquitetos, ainda tive o enorme privilégio de conhecer as instalações da contemporânea Caraíba Metais. Em especial, a possibilidade de adentrar a quilométrica mina de cobre abaixo do solo. Convite de Silvano, o qual brilhantemente proferiu incríveis preparações prévias, palestras e visitas sobre/nas instalações da Caraíba Metais... proporcionando momentos inesquecíveis a este relés projetista.

Já havia conhecido, em tempos de música, Senhor do Bonfim/BA, Juazeiro/BA, Petrolina/PE e cidades do entorno. Como arquiteto e professor, a escala de Sobradinho, Paulo Afonso, etc... o que já tinha me feito sucumbir ao que entendia, como jovem arquiteto, o que eu acreditava saber o que era arquitetura. Mas, percorrer os quilômetros de uma mina subterrânea contemporânea ainda conseguiu superar o que eu já tinha visto/vivenciado.

Infelizmente o tempo, que parece infinito lá dentro, pela tensão do próprio trabalho dos incríveis mineradores, a ambiência, e o aparato de segurança e vestimenta, não me proporcionaram a confortável sensação de desenhar lá dentro. Segue o sketch visual, cognitivo e intuitivo do “core” e da dimensão do que acredito ter visto, percebido e vivido lá embaixo.

De todos os “Cores” (núcleos) de infraestrutura predial que já tinha visto... esse foi o único onde predomina na paisagem. Possui, além das inúmeras instalações de ventilação, exaustão e circulação vertical, um elevador com capacidade para 100 (cem) mineradores. Nenhum projeto que já fiz, nem qualquer exercício de ateliê de projeto que já ensinei profissionalmente, teve, até hoje, um “core” dessa dimensão... no máximo espalhado em diversos locais de um projeto. O surpreendente está em que ele é, apenas, simplesmente, “a ponta do iceberg”.

    


Um “core” superficial de uns 100 metros de altura (tranquilo para qualquer edifício), como aquele, pode se multiplicar sua profundidade por várias vezes. Mas nem ele consegue chegar à extensão e profundidade daquela mina. A quantidade de buracos, locas, desvios, becos, operações (algumas extrações lembram vídeo games), extrações, cabos, hierarquias, desvios, instrumentos, equipamentos, situações, emoções, sensações, etc... tornam completamente indescritível a percepção daquele aparentemente incomensurável buraco feito pelos seres humanos. E, tentando aceitar que tudo aquilo é racionalmente controlado, comunicado, hierarquizado, e ainda, completamente desconcertado... tentando me aproximar às palavras do mestre Paulo Mendes da Rocha, quando fala dos fluidos, dos portos aquaviários, etc... tento cada vez mais aceitar, mesmo me impressionando, que “tudo é projeto” mesmo.



Hoje, quando encerro essas palavras... já à sombra e ventilação tropical da minha pequenina varanda à frente do azulado céu e do Oceano Atlântico em Salvador/BA, reflito que a experiência de conhecer, vivenciar e desenhar um pouquinho dessa cidade, que me foi gentilmente apresentada, me proporcionou, mais uma vez, aquelas que são as lições que mais me tocam no amor à arquitetura... a do lugar, e hoje passo a assumir, a da geografia humana e, ainda a outra, como sempre, a das escalas. Essas duas lições sempre me emocionam. E por isso as desenho... para que elas se fixem mais firmemente nas minhas lembranças.

Enfim, agradecido... encerro essas frases retornando a uma citação do próprio Joaquim Guedes que, ao iniciar um dos seus textos emblemáticos, cita uma igualmente marcante frase do poeta lusitano Fernando Pessoa...

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.

... e a recito pois é apenas dessa forma poética que posso/consigo transmitir essa minha sensação de desejo de ampliar a célebre e real máxima de Euclides da Cunha, de que, “o sertanejo é antes de tudo, um forte”... mas em Caraíba, de algumas formas, antes de tudo, sendo um forte... ele é também moderno.

3 comentários:

  1. Adorei os desenhos e as histórias dessa cidade modernista! Grata

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    1. ASS..WR.WB.SAYA PAK RESKY TKI BRUNAY DARUSALAM INGIN BERTERIMA KASIH BANYAK KEPADA EYANG WORO MANGGOLO,YANG SUDAH MEMBANTU ORANG TUA SAYA KARNA SELAMA INI ORANG TUA SAYA SEDANG TERLILIT HUTANG YANG BANYAK,BERKAT BANTUAN EYANG SEKARAN ORANG TUA SAYA SUDAH BISA MELUNASI SEMUA HUTAN2NYA,DAN SAWAH YANG DULUNYA SEMPAT DI GADAIKAN SEKARAN ALHAMDULILLAH SUDAH BISA DI TEBUS KEMBALI,ITU SEMUA ATAS BANTUAN EYANG WORO MANGGOLO MEMBERIKAN ANGKA RITUALNYA KEPADA KAMI DAN TIDAK DI SANGKA SANGKA TERNYATA BERHASIL,BAGI ANDA YANG INGIN DIBANTU SAMA SEPERTI KAMI SILAHKAN HUBUNGI NO HP EYANG WORO MANGGOLO (0823-9177-2208) JANGAN ANDA RAGU ANGKA RITUAL EYANG WORO MANGGOLO SELALU TEPAT DAN TERBUKTI INI BUKAN REKAYASA SAYA SUDAH MEMBUKTIKAN NYA TERIMAH KASIH
      NO HP EYANG WORO MANGGOLO (0823-9177-2208)
      BUTUH ANGKA GHOIB HASIL RTUAL EYANG WORO MANGGOLO
      DIJAMIN TIDAK MENGECEWAKAN ANDA APAPUN ANDA MINTA INSYA ALLAH PASTI DIKABULKAN BERGAUNLAH SECEPATNYA BERSAMA KAMI JANGAN SAMPAI ANDA MENYESAL

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