Texto: Fabrício Porto
Fortaleza é plana. É a observação irrecorrível que qualquer visitante
vindo de cidades escarpadas faz ao transitar pela capital cearense.
Erguida sobre um tabuleiro litorâneo e com elevação média de
aproximadamente 20m acima do nível do mar, Fortaleza não é uma cidade em
que um desenhista, ao representá-la, sobreponha camadas e camadas de
horizontes, como se faria em um desenho do Rio de Janeiro ou de Lisboa.
Temos o construído diante de nossos olhos e o céu logo atrás. Sensível
exceção temos na Volta da Jurema, espaço histórico do município à
beira-mar e palco do 26º encontro do Urban Sketchers Fortaleza, ocorrido em março.
Rabiscaram, os sketchers fortalezenses, numa manhã ensolarada - algo não
tão recorrente nos meses iniciais do ano - a paisagem atual da Volta. O
frescor da maré vizinha não foi páreo para o abrasador sol da manhã
alencarina, transcorrendo tudo sob o vibrante calor habitual. De onde se
reuniram os desenhistas, vê-se, talvez, o mais expressivo aclive da
cidade. A subida da Volta é daquelas em que o motorista passa a primeira
marcha para que o carro vença a gravidade. Pela calçada, atletas e
coopistas sobem e descem a curta e íngreme ladeira para potencializar
seus exercícios. Há também o antigo morro do Granville, ora convertido
em Jardim Japonês, uma quadra pública de transição entre o nível do mar e
o platô urbano.
No passado, o morro do Granville foi palco democrático de encontro da
juventude local e espaço vistoso do circuito litorâneo, um morrete verde
subindo rumo a uma construção de geometria audaz, a lhe coroar no topo.
A geometria é o emblemático edifício Granville, projeto do arquiteto
carioca - e radicado no Recife - Acácio Gil Borsoi (1924 - 2009), que
assina muitas das arquiteturas visualmente reconhecíveis da cidade.
Prova disto esteve diante dos desenhistas na ocasião: um majestoso bloco
de concreto com entalhes precisos e sacadas dançantes que estão em
praticamente todos os desenhos do encontro por dominar a paisagem.
A crítica à implantação de um jardim japonês - projeto encabeçado pela
Prefeitura de Fortaleza - no morro do Granville, abandonado com o tempo
como ponto de encontro, é inevitável, tanto pelo tema quanto pelo
resultado. Jardins japoneses pelo mundo tem amplidão e contexto. Em
Fortaleza, é de dimensões bastante reduzidas, demasiado cenográfico e
não guarda relação com qualquer corrente migratória ou comunidade
nipônica, inexistente na cidade. Um saudoso sketcher na casa dos
quarenta restituiu, no desenho, a forma antiga do morro tal como ainda
permanece em suas reminiscências juvenis. Os mais jovens foram fiéis ao
que está posto, talvez sentindo um estranho aroma de estrangeirismo
cênico deslocado no espaço.
O resto da história desta manhã de encontro e troca de experiências
artísticas e percepções urbanas e culturais está narrado nos registros
fotográficos que seguem. O USk Fortaleza segue firme com sua proposta de
ocupar a cidade mensalmente com um grupo crescente e ativo, curioso por
descobrir e representar este palco de belezas naturais em conflito com
contradições urbanas, pouquinho abaixo do equador e debruçado para o
atlântico.
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